sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sobre a saga Millennium de Stieg Larsson

Tal como fiz com o primeiro volume, "Os Homens que Odeiam as Mulheres", acabo de ler "A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo" e vi o filme logo de seguida. Infelizmente, tenho de reafirmar (ainda com mais convicção) o que dissera antes no Facebook.
Ambos os filmes carecem de uma gritante falta de profundidade em todas as personagens, excepto Lisbeth Salander, magistralmente transportada para o ecrã por Noomi Rapace. O problema é que todas as outras figuras são muito fracas (Blomqvist incluído). Alguns chegam mesmo a ser caricaturas do que lemos nos livros. Armanskij, Bublanski, Svensson, Harriet Vanger e Cecilia Vanger, para listar alguns, são meros esquissos que têm uma importância demasiado grande para merecerem um tratamento tão superficial.
Neste segundo filme, dou como um péssimo exemplo o combate entre o pugilista Paolo Roberto e o misterioso gigante loiro, que além de mal coreografado e caracterizado, é inverosímil e não alcança nem um décimo da violência do livro (além de ter um desfecho diferente, o que até seria secundário).
O segundo filme consegue o triste fado de ser ainda pior que o primeiro, mas o segundo livro é, na minha opinião, muito melhor que o primeiro. Esta contradição é prova suficiente de que as coisas não correram nada bem nestas transposições para filme de uma trilogia que merece mais tempo de duração (três horas por filme, no mínimo), melhores actores (o gigante loiro parece saído de um episódio do velhinho Duarte & Companhia), melhores realizadores (em especial na mise-en-scéne), uma produção mais profissional, e uma adaptação mais interessante e pragmática da narrativa. Não se compreende que uma saga chamada "Millennium", em que uma revista de denúncia social é uma das personagens centrais, raramente tenhamos oportunidade de respirar a redacção da mesma e os seus meandros. Não acredito que Stieg Larsson, ele próprio jornalista, gostasse muito destas adaptações, independentemente do factor Noomi ou da etiqueta "made in Sweden".
Repito: não sou apologista de remakes passado tão pouco tempo desde a estreia dos originais, mas estes filmes suecos não fazem justiça aos livros. Longe disso. Desta vez, aguardo ansiosamente pelo que David Fincher nos reserva na sua adaptação americana. Pior que isto, nas mãos dele, não me parece que seja possível. Espero não estar enganado...

Os Homens que Odeiam as Mulheres - 7/10
A Rapariga que Sonhava com Uma Lata de Gasolina e um Fósforo - 5/10
(Quando terminar o terceiro volume volto a editar este post)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Eis alguns apontamentos sobre o ano de 2010 em relação a séries de televisão. Dispenso o mercado português, apesar de deixar uma menção honrosa para "Noite Sangrenta", da RTP.

Melhores do ano:

Boardwalk Empire (1ª temporada)
Martin Scorsese. Steve Buscemi. Terence Winter (The Sopranos). A história, passada na era da proibição (de bebidas alcoólicas) nos Estados Unidos, é um misto de ficção e eventos (e personagens) reais. Um conjunto de interpretações brilhantes e um set construído de raíz para retratar a romântica e perversa Atlantic City nas décadas de 20 e 30 do século passado. Boardwalk Empire tem tudo para fazer história em televisão. Os mais críticos dizem que mimetiza em demasia os Sopranos. E desde quando é que isso é uma coisa má?

Treme (1ª temporada)
Este foi sem dúvida o ano do ressurgimento das grandes séries no canal HBO, depois da orfandade provocada pelo final dos Sopranos e Sex and The City.
Treme é assinada por David Simon, genial criador de outra grande produção HBO, The Wire, poesia pura e triste à cidade de Baltimore, que durou cinco temporadas.
Tendo como cenário Nova Orleães, um ano após o Katrina, Treme revela a riqueza cultural de uma das cidades mais interessantes dos Estados Unidos, berço do jazz, e os problemas sociais provocados pelo furacão. No elenco estão alguns dos elementos que compunham The Wire, de que destaco Wendell Pierce, numa interpretação magnífica. As audiências não foram as melhores, mas a HBO já tinha comprado uma segunda temporada. Graças a Deus!

Dexter (5ª temporada)
Dexter caminhava para zonas demasiado ambíguas quando a personagem interpretada por Michael C.Hall se casou e teve um filho. Cheguei a temer o cansaço natural de uma produção que já atingiu a maturidade. Mas depois do monumental final da temporada passada, a quinta época só podia dar lugar a uma história com mais Dexter e menos telenovela. Foi o que aconteceu, e alguns dos episódios são dos melhores que já vi em Dexter desde o seu princípio. De destacar também os convidados, Julia Stiles e Johnny Lee Miller. Venha a sexta época!

Blue Bloods (1ª temporada)
Uma agradável surpresa. É mais uma série de polícias em Nova Iorque, sim. Tem imensos clichés, os mesmos procedimentos criminais que já vimos em tantas outras séries. Mas o elenco e a narrativa com qualidade (fechada por episódio, embora com algumas tramas que continuam ao longo da temporada) prometem uma vida longa para uma série que despertou das cinzas o actor Tom Selleck, e deu um papel de relevo a Donnie Wahlberg, irmão de Mark.

The Walking Dead (1ª temporada)
Embora só tenha merecido uns meros 6 episódios na sua temporada de estreia (que nem sequer abarcam o primeiro volume da respectiva banda desenhada em que se baseia), The Walking Dead mostrou logo no seu primeiro episódio que não é um mero "freak show" de mortos-vivos comedores de pessoas. É bem mais complexo que isso, especialmente na caracterização complexa dos sobreviventes. Frank Darabont realizou esse primeiro opus de uma forma magistral. Tão magistral que os seguintes deixaram as pessoas com um pequeno amargo de boca, a salivar por mais. Mas somos pacientes. A AMC já renovou The Walking Dead para mais uma temporada de 13 episódios. Cá estarei para os ver todos e começar a preparar o manual de sobrevivência em caso de apocalipse.


Desilusões do ano:

The Pillars of the Earth (minisérie)
Tinha tudo para ser um dos acontecimentos do ano. É a adaptação de um dos romances mais badalados da década de 90, Os Pilares da Terra, de Ken Follet. Mas o resultado é muito pobrezinho. Não o digo por mérito de ter lido os livros. Não o fiz. Mas basta ver a série para perceber que os argumentistas tentaram a todo o custo acrescentar o máximo possível de acontecimentos de um romance que é gigantesco, e que abarca várias décadas da vida das respectivas personagens. O resultado final é uma caracterização péssima (a passagem dos anos quase nunca se nota), e uma história tão básica e mal amanhada que se parece com um apanhado dos livros a fazer lembrar aqueles cadernos de apoio que os estudantes preguiçosos usam para não terem de ler a obra que o professor mandou. Os eventos seguem de uma forma tão rápida que se torna por vezes difícil entender as escolhas de vida e as emoções das personagens (amor, ódio, inveja...). Se estão interessados em ler o livro (dois, no caso da edição portuguesa), não percam tempo a ver isto. Eu arrependi-me amargamente.
The Event (1ª temporada)
Depois de FlashForward ter sido anunciado com pompa e circunstância como o grande sucessor de Lost, falhou miseravelmente. Em seguida, este The Event foi catalogado na mesma prateleira, mas está prestes a estatelar-se ao comprido. Maus actores, argumento com demasiados altos e baixos e alguma saturação neste tipo de história podem ser apontadas como as razões principais.
Undercovers (1ª temporada)
Uma nova série de JJ Abrams é sempre um acontecimento. Mas este Undercovers revelou-se uma tentativa desesperada de reclamar a herança de Alias. Erro fatal, com uma dupla pouco credível de actores e episódios com histórias patéticas, banais, que fazem Covert Affairs (outra risível série de espiões com Piper Perabo) parecer um Jason Bourne. Um passo atrás na carreira de Abrams, que acabou por ver a série cancelada.
Weeds (5ª temporada)
O que aconteceu com aquela que já foi uma das minhas séries favoritas? Weeds devia ter terminado logo após a terceira temporada, depois de vermos o bairro suburbano de Agrestic arder. A tentativa de continuar a explorar o filão resultou num beco sem saída para a família Botwin. E Andy, a grande personagem explorada de forma irrepreensível pelo actor Justin Kirk, perdeu todo o seu protagonismo. Vai haver uma temporada 6. Valha-me Deus!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Para o meu pai: 

Há quem diga que o carácter de uma pessoa se pode definir pelo número de amigos, familiares e conhecidos que irão comparecer no dia do seu funeral. Vamos eliminar desta equação os casos excepcionais (vítimas de terrorismo, por exemplo, que levam atrás de si hordas de pessoas desconhecidas), e tendo em conta essa teoria, acho que o meu pai passou com distinção o teste do tempo. Sinto com toda a segurança que muitos o irão recordar, e que o farão durante muito tempo, de uma forma extremamente positiva.
O meu pai prestava-se com deleite na ajuda aos outros, sendo de trato fácil e sem formalismos bacocos. Ao longo da sua vida ajudou muita gente no exercício da sua actividade profissional, mas também foi consolo de outros em incumbências mais personalizadas e até de foro íntimo.
A vida do meu pai foi difícil, cheia de obstáculos duros. Foi muito jovem alistado no exército e obrigado a ir para Moçambique, onde aterrou literalmente no turbilhão da guerra colonial, na região de Tete. Após regressar inteiro, sofreu um acidente automóvel que paralisou a nossa família em muitos sentidos, e lhe alterou os planos para sempre. Foi acossado de doenças que lhe desafiaram a vida, mas a derradeira, o cancro, valeu-lhe um combate que durou seis longos anos com muito sofrimento pelo meio.
Se existisse um mundo justo, pessoas assim não deviam ser obrigadas a pagar tanto por ter o seu pedaço de céu. Mas a vida é uma roleta de indefinições, e nós vivemos sobre este jugo de acasos que ocasionalmente nos empurram para crises existenciais.
Neste momento, se existe um Deus (e eu acredito que sim, apesar de todas estas provações), o meu pai estará retido ad infinitum numa das muitas cenas idílicas que também viveu (sim, porque a vida não são só coisas más). Talvez numa taberna, numa patuscada, sentado à mesa com o meu avô e o seu amigo Vinagre, em amena cavaqueira regada com um tinto do Dão e uma morcela assada. É assim que o quero recordar. E sei que os seus amigos também.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Inception

Classificação: 8 Espigas (em 10)

Positivo - Uma realização magnífica de Christopher Nolan, a que já nos habituou até nos seus trabalhos menos conseguidos (Insomnia); fotografia também de excelente qualidade, com a assinatura habitual de Nolan e o seu parceiro neste domínio, Wally Pfister (que o acompanha deste Memento); A dinâmica da história é de cortar a respiração, assim como os puzzles montados para aliciar e provocar o espectador; Grande trabalho do actor inglês Tom Hardy, assim como de Leonardo DiCaprio, que é para mim o nome maior dos estúdios de Hollywood para este princípio do século XXI. Veremos se mantém a aura e não a desperdiça como Tom Cruise ou Kevin Costner (em contextos diferentes); o final ambíguo.
Negativo - Onde é que já vi isto de andarmos todos aos saltos e aos tiros num mundo virtual (neste caso o dos sonhos) onde as regras da física não se aplicam? Ah, sim: Matrix.
Vamos lá limpar um pouco o pó a este blog. Seguem-se dentro de momentos algumas novas apreciações a alguns filmes que vi nos últimos meses.