quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O gosto e a angústia
O gosto pelo cinema é, como qualquer outro gosto, um processo evolutivo sempre em curso. Como é costume ouvir dizer, aprende-se a gostar, sendo difícil e laborioso ter o paladar cinéfilo aguçado.
O meu gosto difere do do meu amigo pelo caminho que cada um de nós percorreu até chegar ao gosto actual. E é sempre um gosto duvidoso, porque daqui por uns anos, talvez até uns meses, terá evoluido, percorrendo novos terrenos, troçando daquele gosto estranho e ingénuo do passado.
Que lance a primeira pedra quem não tem secretamente um "guilty pleasure", um daqueles gostos que serão agora motivo de chacota, mas que há dez anos era a corrente popular dominante. Mas os "populares" evoluiram, e passaram também eles a ter novos gostos. E porque são "culpados" estes prazeres escondidos? Porque a nossa própria consciência assim nos dita, comandando de forma ditatorial  o gosto do presente, que nunca permitiria a entrada no seu panteão de memórias a uma tão má predilecção.
O gosto e a história estão interligados de uma forma muito forte. Os amigos que conheci moldaram o meu gosto, assim como os filmes que compartilharam. As minhas próprias descobertas também ajudaram, tal como os amigos dos amigos que encontrámos naquele café onde debatemos a pertinência daquele actor à luz daquela fotografia, com aqueles diálogos estranhos e um argumento de bradar aos céus. Todas estas interacções históricas fazem parte do meu gosto. Do gosto de cada um de nós, de quem tem as suas próprias histórias para contar.
Nunca me esquecerei do dia em que entrei no velhinho e agora abandonado cinema de S.Tiago, em Castelo Branco, para assistir à sessão de inauguração da sala, corriam os anos 80 do século passado. Acabava de chegar de férias no Algarve, o cheiro a tílias pairava ainda no ar, anunciando que o Verão ia a meio, e o pequeno centro comercial transbordava de pessoas e frenesim. O filme era um êxito nos Estados Unidos e vinha com selo de qualidade garantida. O cartaz, recordo-me, pregava isso mesmo, "filme de qualidade garantida". Chamava-se Top Gun.
Em 2011, Top Gun é um "guilty pleasure"? Depende. Entramos numa disciplica do gosto muito importante, mas irracional: a melancolia. Os miúdos de hoje rir-se-ão da banda sonora xaroposa dos Berlin, dos discutíveis trapos envergados pelas personagens que se passeiam no filme, da história básica e moralista passada na guerra fria, e de um Tom Cruise musculado e pré-cientologia. Mas para mim este filme é inesquecível. E não são só as sequências de acção com aviões verdadeiros de que nunca me esquecerei, ou aquelas montagens sonoras de cortar a respiração, que na altura deram direito a apresentação visual com espectacularidade na cerimónia dos Oscar. Sobretudo, aquele é o filme que eu vi na minha primeira sessão da sala de cinema que me acompanharia durante toda a minha adolescência. Uma sala cujos cheiros e tactos estão impregnados na minha memória, no meu crescimento como um todo. Uma sala em que até a cadeira onde me sentava era quase sempre a mesma. Depois de Top Gun, seguiram-se sessões semanais ininterruptas durante meses a fio, sempre com o dinheiro contado até à noite da sexta-feira seguinte. Lembro-me que cheguei a entrar em sessões com desconhecidos pela mão, pois a meninos da minha idade não era permitido ver Schwarzenegger eliminar em pedaços um predador alienígena que se dedicava a esfolar as vítimas e coleccionar-lhes as caveiras e espinhas dorsais. Se não fosse acompanhado por um adulto, fosse ele quem fosse, não entrava. À revelia dos meus pais, sem noção do potencial perigo, muitas vezes lá deitei para trás a minha timidez e acerquei-me de perfeitos estranhos para poder ver no ecrã algum sangue, sexo ou simples palavrões.
Estes gostos são geracionais, irracionais, fazem parte da nossa identidade, e assim como os nossos pais não descuram um bom filme de Jean Paul Belmondo dos anos 1960 ou 1970, a nós ninguém nos tira um Spielberg dos anos 1980.
Dizem-nos que devemos começar por ver os clássicos, e seguir por aí adiante até aos nossos dias, numa tentativa de emular a própria evolução do cinema, tornando-a paralela à evolução do nosso gosto. No meu entender, por mais filmes que eu veja na minha vida, esta é uma epopeia infrutífera, porque acredito que cada geração tem os seus clássicos, que serão sempre melhores que os da geração seguinte. Além disso, não sou estudante de cinema ou aspirante a realizador. Sou um simples apreciador de cinema, um cinéfilo "das bases", para lhe dar um epíteto partidarista. Mas sou também um cinéfilo cada vez mais velho e com menos paciência para ver os filmes "dos outros", em especial dos presunçosos que me querem meter pelos olhos dentro os seus clássicos como verdades e dogmas absolutos.
Sou filho de uma determinada geração que já viu efeitos e cores que as anteriores não puderam ver. Ou seja, por mais importante que seja um filme de Orson Welles na história do cinema, a mim ninguém me consegue convencer que os seus filmes são melhores que o meu salteador da arca perdida ou o McFly que viajou até ao passado para remediar o seu futuro.
Mas esta ladainha vem a propósito dessa muita propagada aceitação geral de que para ter o tal bom gosto devemos ser ávidos consumidores, neste caso de cinema, de forma a tornar o nosso gosto mais sensível.
Como pai, tenho medo do que se aproxima. Quero transmitir à minha filha o gosto pelo cinema. Quero que consiga apreciar a trilogia original da Guerra das Estrelas em todo o seu esplendor, mas tenho um dilema: para isso terei de evitar que veja primeiro a trilogia mais recente? É que se tal acontecer, a probabilidade de esse passar a ser o seu standard daquele franchise é mais elevada, relegando para segundo plano aqueles filmes velhos "dos outros", tal como eu fiz com os Orson Welles e os Kurosawas. Não quero com isto que fique implícito que nunca vi esses filmes. Já o fiz. Alguns até repetidamente. Mas aquele Top Gun mudou-me a vida, não os Sete Samurais. 
Como é que vou manter o meu pequeno rebento afastado de todos estes efeitos especiais CGI que inundam o mercado actual? Será que vou conseguir impressioná-la com uma Estrela da Morte que explode em mil pedaços como se fosse um efeito pirotécnico de fogo de artifício, numa época como a que vivemos, onde a explosão é um objecto banal e um pequeno apontamento pictórico de qualquer filme de acção que se preze? Como perpetuar este gosto, que é meu, deixando que o seu gosto (o dela) evolua com base nas premissas do mundo moderno actual? É uma angústia, é o que é...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Black Swan
Classificação: 8 Espigas (em 10)
Positivo - A forma como Darren Aronofski retratou a vertigem da obsessão, o perfeccionismo esquizofrénico, a repressão parental, temas personificados na vitimização de uma (ingénua) bailarina de ballet. Aronofski mostra-nos este mundo artístico, geralmente fechado aos circuitos mais elitistas ou de gosto mais opaco, de uma maneira compreensível ao comum dos mortais. Nem todos conseguiriam fazer tanta gente ir ver um filme com ballet (mesmo que este não seja, afinal, o tema principal); a interpretação magnífica de Natalie Portman, que a transporta para outra dimensão estelar; o ressurgimento de alguns tiques do realizador, que se tinham perdido um pouco em The Wrestler e que são a sua imagem de marca (especialmente no seminal "Pi").
Negativo - As referências base do filme são também a sua limitação artística: "Repulsa", de Polanski ou "A Mosca" de Cronenberg, são clássicos que ganham nesta corrida aos pontos; os efeitos especiais usados na metamorfose em cisne são, por vezes, pouco realistas. Talvez uma solução mais tradicional e subjectiva tivesse bastado.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Unstoppable
Classificação: 5 Espigas (em 10)

Positivo - Um filme de Tony Scott é sempre sinónimo de qualidade de produção. Com este Unstoppable acontece o mesmo. É cinema de acção com o neurónio desligado.
Negativo -Embora baseado muito livremente em factos reais, o filme desmorona-se num conjunto de clichés e dramatizações que não acrescentam qualquer emoção; Chris Pine e Denzel Washington em piloto automático (tal como eu, a escrever estas notas para um filme tão imerecido) e sem nada a acrescentar ao seu curriculum, a não ser uns quantos milhares de dólares; O abuso nos travellings e nos filtros sobrecarregados começam a fazer lembrar o infame Michael Bay. Deus nos livre!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Four Lions
Classificação: 8 Espigas (em 10)

Positivo -Sátira inteligente à ideologia (ou falta dela) do terrorismo islamita; humor negro com momentos de antologia (a explosão do corvo é uma delas); a forma como, numa comédia, se espremem os fundamentos do recrutamento de extremistas islâmicos: o medo e a ignorância; as interpretações de Riz Ahmed e Nigel Lindsay.
Negativo - Numa temática tão sensível, é fácil resvalar para o mau gosto. Mesmo que não seja o caso, nota-se em determinados momentos uma certa ingenuidade de conceitos, e um estereótipo que podia ter sido evitado; há momentos demasiado nonsense que se calhar não se enquadram tão bem com a restante subtileza do filme. No fundo, um filme que satiriza o extremismo não se deve... extremar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Enter The Void
Classificação: 8 Espigas (em 10)

Positivo -O genérico, a plasticidade dos cenários (os néons de Tóquio e outras paisagens artificiais), os visuais, os travellings aéreos, tudo elementos que fazem de "Enter The Void" mais que um filme, uma obra de arte visual moderna, delirante e psicadélica; o impacto com que somos transportados para os momentos chocantes do filme; a sexualidade de Paz de La Huerta; o sexo como ciclo natural de vida e morte; comparado com este filme, até "Irreversible" (o outro filme choque de Gaspar Noé) acaba por parecer normal; o clímax final.
Negativo - A montagem desastrosa; com menos meia-hora de minimalismos, este filme seria uma obra-prima.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

 Mesrine - L'instinct de Mort / Mesrine - L'énnemi Public nº1
Classificação: 6 / 7 Espigas (em 10) respectivamente

Positivo - A história de um dos mais procurados meliantes da história criminal francesa é sempre motivo de curiosidade (um "Bonnie and Clyde" à moda europeia); a viagem aos anos 60 e 70 está muito bem feita, com boa escolha de cenários e um notável grande investimento no parque automóvel; Vincent Cassel em grande forma (como actor, porque no peso físico teve de ganhar 20 quilos para representar Mesrine nos seus últimos anos de vida).
Negativo - Os arcos narrativos são pouco explorados e não contêm  número suficiente de elos de ligação para prender o espectador (o que aconteceu com a sua primeira mulher? Fugiu? Para onde? Porque Mesrine não foi atrás?). Talvez tivesse sido mais eficiente concentrar a história em alguns (poucos) pontos chave da vida de Mesrine e não queimar tanta fita num enredo com tantos fait divers, que impressionam, certamente, mas que em excesso baralham as cartas. Este aspecto sente-se menos no segundo filme, onde a acção concentra-se mais nas fugas de Mesrine nos seus tempos de inimigo público nº1 em França, e no seu assassinato.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

The American
Classificação: 7 Espigas (em 10)
Positivo - Um filme bucólico, onde a personagem mais interessante é mesmo a Itália campestre; as conversas entre a personagem de Clooney e o padre da aldeia (Paolo Bonacelli), o mais interessante de todo o argumento (e que podia ter sido melhor explorado); a cena inicial na Suécia, muito promissora e bem filmada.
Negativo -É mais um filme sobre a romantização do ofício de assasssino a soldo, com pouca originalidade; final demasiado previsível e insatisfatório; George Clooney em modo automático, sem grandes desafios.
The Social Network
Classificação: 8 Espigas (em 10)
Positivo - Um filme de David Fincher é sempre um acontecimento. Basta a qualidade técnica. Fotografia crua, orgânica e em tons negros, e uma forma de filmar que demonstra que Fincher é mesmo um dos melhores do mundo no seu ofício; os diálogos de Aaron Sorkin, como seria de esperar; o estudo sobre o impacto social das redes na internet e a solidão que as acompanha, paradoxal ao número gigantesco de "amigos" no Facebook; a interpretação de Jesse Eisenberg.
Negativo - Conforme tive oportunidade de ler em diversos artigos, o filme não só não tem o selo de aprovação de Zuckerberg, como existe de facto uma dramatização e especulação exagerada na história, o que pode levar muita gente a pensar que aquilo se passou mesmo assim, o que é em grande parte incorrecto; o enredo é bom, mas não é do outro mundo, revelando alguma superficialidade nos temas, nas personagens, e na moral e mensagem da história.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sobre a saga Millennium de Stieg Larsson

Tal como fiz com o primeiro volume, "Os Homens que Odeiam as Mulheres", acabo de ler "A Rapariga que Sonhava com uma Lata de Gasolina e um Fósforo" e vi o filme logo de seguida. Infelizmente, tenho de reafirmar (ainda com mais convicção) o que dissera antes no Facebook.
Ambos os filmes carecem de uma gritante falta de profundidade em todas as personagens, excepto Lisbeth Salander, magistralmente transportada para o ecrã por Noomi Rapace. O problema é que todas as outras figuras são muito fracas (Blomqvist incluído). Alguns chegam mesmo a ser caricaturas do que lemos nos livros. Armanskij, Bublanski, Svensson, Harriet Vanger e Cecilia Vanger, para listar alguns, são meros esquissos que têm uma importância demasiado grande para merecerem um tratamento tão superficial.
Neste segundo filme, dou como um péssimo exemplo o combate entre o pugilista Paolo Roberto e o misterioso gigante loiro, que além de mal coreografado e caracterizado, é inverosímil e não alcança nem um décimo da violência do livro (além de ter um desfecho diferente, o que até seria secundário).
O segundo filme consegue o triste fado de ser ainda pior que o primeiro, mas o segundo livro é, na minha opinião, muito melhor que o primeiro. Esta contradição é prova suficiente de que as coisas não correram nada bem nestas transposições para filme de uma trilogia que merece mais tempo de duração (três horas por filme, no mínimo), melhores actores (o gigante loiro parece saído de um episódio do velhinho Duarte & Companhia), melhores realizadores (em especial na mise-en-scéne), uma produção mais profissional, e uma adaptação mais interessante e pragmática da narrativa. Não se compreende que uma saga chamada "Millennium", em que uma revista de denúncia social é uma das personagens centrais, raramente tenhamos oportunidade de respirar a redacção da mesma e os seus meandros. Não acredito que Stieg Larsson, ele próprio jornalista, gostasse muito destas adaptações, independentemente do factor Noomi ou da etiqueta "made in Sweden".
Repito: não sou apologista de remakes passado tão pouco tempo desde a estreia dos originais, mas estes filmes suecos não fazem justiça aos livros. Longe disso. Desta vez, aguardo ansiosamente pelo que David Fincher nos reserva na sua adaptação americana. Pior que isto, nas mãos dele, não me parece que seja possível. Espero não estar enganado...

Os Homens que Odeiam as Mulheres - 7/10
A Rapariga que Sonhava com Uma Lata de Gasolina e um Fósforo - 5/10
(Quando terminar o terceiro volume volto a editar este post)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Eis alguns apontamentos sobre o ano de 2010 em relação a séries de televisão. Dispenso o mercado português, apesar de deixar uma menção honrosa para "Noite Sangrenta", da RTP.

Melhores do ano:

Boardwalk Empire (1ª temporada)
Martin Scorsese. Steve Buscemi. Terence Winter (The Sopranos). A história, passada na era da proibição (de bebidas alcoólicas) nos Estados Unidos, é um misto de ficção e eventos (e personagens) reais. Um conjunto de interpretações brilhantes e um set construído de raíz para retratar a romântica e perversa Atlantic City nas décadas de 20 e 30 do século passado. Boardwalk Empire tem tudo para fazer história em televisão. Os mais críticos dizem que mimetiza em demasia os Sopranos. E desde quando é que isso é uma coisa má?

Treme (1ª temporada)
Este foi sem dúvida o ano do ressurgimento das grandes séries no canal HBO, depois da orfandade provocada pelo final dos Sopranos e Sex and The City.
Treme é assinada por David Simon, genial criador de outra grande produção HBO, The Wire, poesia pura e triste à cidade de Baltimore, que durou cinco temporadas.
Tendo como cenário Nova Orleães, um ano após o Katrina, Treme revela a riqueza cultural de uma das cidades mais interessantes dos Estados Unidos, berço do jazz, e os problemas sociais provocados pelo furacão. No elenco estão alguns dos elementos que compunham The Wire, de que destaco Wendell Pierce, numa interpretação magnífica. As audiências não foram as melhores, mas a HBO já tinha comprado uma segunda temporada. Graças a Deus!

Dexter (5ª temporada)
Dexter caminhava para zonas demasiado ambíguas quando a personagem interpretada por Michael C.Hall se casou e teve um filho. Cheguei a temer o cansaço natural de uma produção que já atingiu a maturidade. Mas depois do monumental final da temporada passada, a quinta época só podia dar lugar a uma história com mais Dexter e menos telenovela. Foi o que aconteceu, e alguns dos episódios são dos melhores que já vi em Dexter desde o seu princípio. De destacar também os convidados, Julia Stiles e Johnny Lee Miller. Venha a sexta época!

Blue Bloods (1ª temporada)
Uma agradável surpresa. É mais uma série de polícias em Nova Iorque, sim. Tem imensos clichés, os mesmos procedimentos criminais que já vimos em tantas outras séries. Mas o elenco e a narrativa com qualidade (fechada por episódio, embora com algumas tramas que continuam ao longo da temporada) prometem uma vida longa para uma série que despertou das cinzas o actor Tom Selleck, e deu um papel de relevo a Donnie Wahlberg, irmão de Mark.

The Walking Dead (1ª temporada)
Embora só tenha merecido uns meros 6 episódios na sua temporada de estreia (que nem sequer abarcam o primeiro volume da respectiva banda desenhada em que se baseia), The Walking Dead mostrou logo no seu primeiro episódio que não é um mero "freak show" de mortos-vivos comedores de pessoas. É bem mais complexo que isso, especialmente na caracterização complexa dos sobreviventes. Frank Darabont realizou esse primeiro opus de uma forma magistral. Tão magistral que os seguintes deixaram as pessoas com um pequeno amargo de boca, a salivar por mais. Mas somos pacientes. A AMC já renovou The Walking Dead para mais uma temporada de 13 episódios. Cá estarei para os ver todos e começar a preparar o manual de sobrevivência em caso de apocalipse.


Desilusões do ano:

The Pillars of the Earth (minisérie)
Tinha tudo para ser um dos acontecimentos do ano. É a adaptação de um dos romances mais badalados da década de 90, Os Pilares da Terra, de Ken Follet. Mas o resultado é muito pobrezinho. Não o digo por mérito de ter lido os livros. Não o fiz. Mas basta ver a série para perceber que os argumentistas tentaram a todo o custo acrescentar o máximo possível de acontecimentos de um romance que é gigantesco, e que abarca várias décadas da vida das respectivas personagens. O resultado final é uma caracterização péssima (a passagem dos anos quase nunca se nota), e uma história tão básica e mal amanhada que se parece com um apanhado dos livros a fazer lembrar aqueles cadernos de apoio que os estudantes preguiçosos usam para não terem de ler a obra que o professor mandou. Os eventos seguem de uma forma tão rápida que se torna por vezes difícil entender as escolhas de vida e as emoções das personagens (amor, ódio, inveja...). Se estão interessados em ler o livro (dois, no caso da edição portuguesa), não percam tempo a ver isto. Eu arrependi-me amargamente.
The Event (1ª temporada)
Depois de FlashForward ter sido anunciado com pompa e circunstância como o grande sucessor de Lost, falhou miseravelmente. Em seguida, este The Event foi catalogado na mesma prateleira, mas está prestes a estatelar-se ao comprido. Maus actores, argumento com demasiados altos e baixos e alguma saturação neste tipo de história podem ser apontadas como as razões principais.
Undercovers (1ª temporada)
Uma nova série de JJ Abrams é sempre um acontecimento. Mas este Undercovers revelou-se uma tentativa desesperada de reclamar a herança de Alias. Erro fatal, com uma dupla pouco credível de actores e episódios com histórias patéticas, banais, que fazem Covert Affairs (outra risível série de espiões com Piper Perabo) parecer um Jason Bourne. Um passo atrás na carreira de Abrams, que acabou por ver a série cancelada.
Weeds (5ª temporada)
O que aconteceu com aquela que já foi uma das minhas séries favoritas? Weeds devia ter terminado logo após a terceira temporada, depois de vermos o bairro suburbano de Agrestic arder. A tentativa de continuar a explorar o filão resultou num beco sem saída para a família Botwin. E Andy, a grande personagem explorada de forma irrepreensível pelo actor Justin Kirk, perdeu todo o seu protagonismo. Vai haver uma temporada 6. Valha-me Deus!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Para o meu pai: 

Há quem diga que o carácter de uma pessoa se pode definir pelo número de amigos, familiares e conhecidos que irão comparecer no dia do seu funeral. Vamos eliminar desta equação os casos excepcionais (vítimas de terrorismo, por exemplo, que levam atrás de si hordas de pessoas desconhecidas), e tendo em conta essa teoria, acho que o meu pai passou com distinção o teste do tempo. Sinto com toda a segurança que muitos o irão recordar, e que o farão durante muito tempo, de uma forma extremamente positiva.
O meu pai prestava-se com deleite na ajuda aos outros, sendo de trato fácil e sem formalismos bacocos. Ao longo da sua vida ajudou muita gente no exercício da sua actividade profissional, mas também foi consolo de outros em incumbências mais personalizadas e até de foro íntimo.
A vida do meu pai foi difícil, cheia de obstáculos duros. Foi muito jovem alistado no exército e obrigado a ir para Moçambique, onde aterrou literalmente no turbilhão da guerra colonial, na região de Tete. Após regressar inteiro, sofreu um acidente automóvel que paralisou a nossa família em muitos sentidos, e lhe alterou os planos para sempre. Foi acossado de doenças que lhe desafiaram a vida, mas a derradeira, o cancro, valeu-lhe um combate que durou seis longos anos com muito sofrimento pelo meio.
Se existisse um mundo justo, pessoas assim não deviam ser obrigadas a pagar tanto por ter o seu pedaço de céu. Mas a vida é uma roleta de indefinições, e nós vivemos sobre este jugo de acasos que ocasionalmente nos empurram para crises existenciais.
Neste momento, se existe um Deus (e eu acredito que sim, apesar de todas estas provações), o meu pai estará retido ad infinitum numa das muitas cenas idílicas que também viveu (sim, porque a vida não são só coisas más). Talvez numa taberna, numa patuscada, sentado à mesa com o meu avô e o seu amigo Vinagre, em amena cavaqueira regada com um tinto do Dão e uma morcela assada. É assim que o quero recordar. E sei que os seus amigos também.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Inception

Classificação: 8 Espigas (em 10)

Positivo - Uma realização magnífica de Christopher Nolan, a que já nos habituou até nos seus trabalhos menos conseguidos (Insomnia); fotografia também de excelente qualidade, com a assinatura habitual de Nolan e o seu parceiro neste domínio, Wally Pfister (que o acompanha deste Memento); A dinâmica da história é de cortar a respiração, assim como os puzzles montados para aliciar e provocar o espectador; Grande trabalho do actor inglês Tom Hardy, assim como de Leonardo DiCaprio, que é para mim o nome maior dos estúdios de Hollywood para este princípio do século XXI. Veremos se mantém a aura e não a desperdiça como Tom Cruise ou Kevin Costner (em contextos diferentes); o final ambíguo.
Negativo - Onde é que já vi isto de andarmos todos aos saltos e aos tiros num mundo virtual (neste caso o dos sonhos) onde as regras da física não se aplicam? Ah, sim: Matrix.
Vamos lá limpar um pouco o pó a este blog. Seguem-se dentro de momentos algumas novas apreciações a alguns filmes que vi nos últimos meses.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

The Ghost Writer

Classificação: 8 Espigas (em 10)

Positivo -Mais um filme de Polanski que nos remete para a sua veia de criador de thrillers, desta vez de cariz político, com mérito de figurar ao lado de Frantic ou Ninth Gate; Ewan McGregor e Pierce Brosnan vão muito bem, além de Olivia Williams; A belíssima fotografia de Pawel Edelman e a forma como as paisagens da ilha de Sylt, na Alemanha, foram caracterizadas para parecerem a bem americana Martha's Vineyard; a subtileza de uma história como esta é uma bênção nos dias que correm.
Negativo - Kim Cattrall, muito fora do seu glamour de Sex and The City, não convence; ver Timothy Hutton tão desaproveitado no papel de um advogado deixa-me triste pela carreira deste excelente actor; apesar de ter um twist, o final é previsível.
Kick-Ass

Classificação: 9 Espigas (em 10)

Positivo -A sátira pefeita ao mundo fantasioso dos super-heróis, baseada na excelente BD de John Romita Jr. e Mark Millar; a realização de Matthew Vaughn, senhor que ainda não me desiludiu (fez o magnífico Layer Cake e o surpreendente Stardust); Hit Girl, Hit Girl, Hit Girl, ... ah! E também a Hit Girl (desempenhada com muito mérito pela pequena Chloe Moretz de 13 anos)!! Nicolas Cage reabilitado no papel de Big Daddy.
Negativo - O actor de quem esperava mais, Christopher Mintz-Plasse (que foi genial no papel de Fogell em Superbad), acabou por ser aquele que menos conseguiu "espremer" da sua personagem; à medida que nos aproximamos do final a fantasia aumenta, a provar que não é fácil separar os super-heróis do irreal e ilusório, que aqui (tratando-se de uma sátira) se queria reduzido ao mínimo.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Zombieland
Classificação: 7 Espigas (em 10)

Positivo - Uma resposta americana a outro filme (Shaun of The Dead) sem que fosse necessário um remake! Esta fita é mesmo original e muito divertida. Algo raro nos dias em que vivemos; o "cameo" de Bill Murray é hilariante; A história é simples, curta e grossa (neste caso, gory!), como um bom filme de zombies deve ser; a proporção entre comédia e terror está muito bem equilibrada (com a apetência para a comédia a vencer, como é suposto num filme que não se leva a sério); Woody Harrelson vai muito bem, e podia ter um filme só dele baseado nesta sua personagem; as caracterizações dos zombies, e a forma como os desgraçados correm!
Negativo - É claro que Shaun of The Dead continua a ser superior, nem que seja por algum puritanismo e falta de ideias que os britânicos evitaram, mas os americanos não, além do brilhante Simon Pegg e um argumento mais "sumarento"; Jesse Einsenberg e Michael Cera são o protótipo do herói jovem geek que consegue a miúda no fim, mas esta "vingança nerd" já começa a ser demasiado repetitivo.

Classificação: 5 Espigas (em 10)

Positivo - James Purefoy é um Senhor neste tipo de papéis; a produção até tem os seus momentos bons, se tivermos em conta que este não é um filme americano (logo, não tem um orçamento descomunal).
Negativo - O argumento parece tirado de um jogo de consola, com monstro de final de nível e tudo; as personagens são demasiado estereotipadas, e o argumento simplista e até infantil, com clichés uns atrás dos outros; o uso excessivo de filtros na fotografia é suposto dar uma atmosfera sombria e gótica a estas fitas, mas quando usado por mãos inábeis (como é o caso) só faz é estragos, tornando a coisa muito artificial (é mal geral dos filmes desta década, não somente deste); história previsível.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Esta semana fiz uma sessão dupla de terror cá em casa. Eis a minha avaliação aos dois filmes:

 Classificação: 5 Espigas (em 10)

Positivo - Ethan Hawke e Sam Neill, (quase) sempre excelentes actores dispostos a arriscar em nomes desconhecidos (Gattaca foi a piece de resistance de Hawke nesta área); a premissa curiosa de mostrar um mundo onde quem reinam são os vampiros, e não o contrário; o aspecto gótico bem conseguido de algumas cenas.
Negativo - Fotografia saturada, efeitos em câmara lenta, CGI em doses loucas, enfim... todos os ingredientes exagerados, que mais dois realizadores novatos (e irmãos) usam e abusam para tentar convencer o público de que são realizadores de cinema a sério. Keep it simple, stupid! Não vão lá com tanta parafernália; a história descamba para mais um milhão de clichés, diálogos parvos, e um desenvolvimento parecido a um videojogo (com uma solução para o vampirismo absolutamente ridícula). Onde é que já vi isto um milhão de vezes? Willem Dafoe, que raio de personagem é essa, pá? Finalmente, as cenas estúpidas que são um vírus no cinema de terror actual em que alguém se lembrou de fazer passar um vulto no ecrã com um som assustador no máximo volume para nos obrigar a saltar da cadeira. Irritante e desnecessário. Se isto metesse mesmo medo, não era preciso esses artifícios.

Classificação: 6 Espigas (em 10)

Positivo -Benicio del Toro sustenta todo o filme com o seu trabalho; bem filmado, com muita competência e profissionalismo por Joe Johnston (o mesmo de Jumanji ou Jurassic Park 3, e que brevemente lançará a versão cinematográfica do Capitão América); os efeitos especiais do lobisomem, com uma maravilhosa homenagem aos clássicos da Hammer.
Negativo -História básica, muito fraquinha e previsível; Emily Blunt é bonita, mas supérflua; os tiques de Anthony Hopkins na sua personagem de Van Helsing no Dracula de Coppola estão todos lá, o que demonstra que o velho actor chegou ao seu limite interpretativo, ou deve explorar novos caminhos; demasiada banda sonora estraga a tensão que poderia ter sido assustadora em alguns momentos. Assim, raramente o susto me levantou da cadeira.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Shutter Island

Classificação: 7 espigas (em 10)


Positivo -Di Caprio em mais uma performance excelente, a mostrar porque Scorsese o escolheu para sua "musa"; o formalismo impecável de Scorsese a filmar; a história em geral, baseada no livro de Dennis Lehane (Mystic River e Gone Baby Gone).
Negativo -Este é daqueles filmes que dificilmente me conseguiria conquistar à primeira, embora a ansiedade e curiosidade de o ver fossem muitas. É que tive oportunidade de ler o livro há cerca de um ano, e nada do que ali se passa é novidade para mim (nomeadamente o "twist" final). De qualquer forma, posso acrescentar que a história foi cinematografada de forma correcta, com respeito pelo material original, embora também aqui tenha notado (como no livro) alguma previsibilidade nos acontecimentos. Há quem aponte acusações de plágio a Dennis Lehane pelo romance. Depois de ver excertos do filme de que se fala (O Gabinete do Dr. Caligari) fico com algum amargo de boca. O que não gostei muito foi o aspecto demasiado artificial e limpinho da ilha (tecnicamente, não na imagem per se), dos ambientes (demasiado assépticos e digitalizados), e o uso exagerado da fotografia com filtros. Há noir, há escuro, há névoa e gótico, mas estes ingredientes querem-se mais "sujos" e orgânicos. Não é a primeira vez que Scorsese o faz ("The Aviator", por exemplo), mas desta vez foi um pouco longe demais. Por outro lado, desiludiram-me as cenas na "enfermaria C", a dos prisioneiros mais perigosos, que no livro está retratada de uma forma mais negra, e onde Jackie Earle Haley vai muito bem, mas não chega para amedrontar.